quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Negócios em mercados emergentes: as dificuldades de um consórcio de empresas espanholas na Arábia Saudita

Há dias o jornal espanhol "El País" dava conta das dificuldades enfrentadas actualmente por um consórcio de empresas espanholas a quem foi adjudicada, pelo governo da Arábia Saudita, a construção de uma linha de alta velocidade (AVE) entre Medina e Meca. É a maior obra realizada no estrangeiro por empresas espanholas e atinge um valor de 6 700 milhões de euros.  De acordo com as informações recolhidas pelo "El País", este podia constituir um excelente "case study" sobre os condicionalismos da realização de negócios em mercados emergentes, e nomeadamente de contratos públicos, envolvendo múltiplas dimensões e actores. Neste caso, são identificadas uma diversidade de dificuldades que merecem a devida reflexão, sendo certo que algumas delas seriam de algum modo "previsíveis". Assim, temos (traduções realizadas por mim) um" projecto ingovernável, onde é muito complicado pôr de acordo as 12 empresas espanholas"; a "complexidade de uma obra em pleno deserto e num país com uma cultura diferente"; a mudança do ministro dos transportes (o ministério dos transportes saudita é a entidade adjudicante da obra), engenheiro de formação, e que "ao contrário do comportamento habitual de outros príncipes árabes que nunca dizem não (...) este expressa a sua contrariedade de forma directa"; o longo periodo de negociação da obra (mais de 3 anos); a "falta de liderança num projecto que desde o principio tem estado muito politizado", com o ministro saudita dos transportes, a não querer falar com politicos, mas com técnicos, e pretendendo, sobretudo, ter um único  interlocutor; a pretensão das empresas espanholas de que o governo saudita reconheça e aceite o atraso nas obras, enquanto o governo saudita pretende que as empresas cumpram o prazo estabelecido para a conclusão das obras; os custos e as dificuldades para ultrapassaram os problemas técnicos resultantes das difíceis condições ambientais locais (clima e terrenos de areia)  e até das condições de trabalho, sobretudo para os trabalhadores expatriados  ("de vez em quando temos que enviar o pessoal aos Emirados Árabes Unidos para que tomem uma cerveja e vejam um filme");  a existência de um consórcio com um número muito alargado de empresas (os consórcios concorrentes não tinham mais de 4 empresas) e com perfis muito diferentes em termos de propriedade (empresas públicas e empresas privadas), dimensão e experiência internacional; e como se tudo isto já não bastasse, são ainda apontadas as dificuldades de "lobbying" da diplomacia económica espanhola que supostamente não geriu de uma forma regular e sustentada a relação com os seus interlocutores institucionais locais, sobretudo,  depois da saída do Rei Juan Carlos que teve um papel decisivo na adjudicação desta obra, devido às suas relações de amizade com a família real saudita (o antigo soberano espanhol teve de deslocar-se, agora e  de novo, a Riade). Como referi no inicio, este é um autêntico "case study" sobre a realização de contratos públicos em mercados emergentes, neste caso envolvendo os sectores consultadoria, construção civil e fornecimento de equipamentos, com implicações também ao nível da imagem e da notoriedade de um país (Espanha) numa região de elevado potencial económico. Veremos como é que todas estas dificuldades vão ser ultrapassadas!